quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O desejo, a ignorância e o prazer


Vi, no livro que eu estou lendo atualmente,  que a Teoria do Prazer de Giacomo Leopardi é a de que, "como o desejo do prazer é infinito, nenhum prazer real - por ser inevitavelmente finito - pode saciar o desejo".  Isso me fez pensar que, de fato, ao invés de saciar, os prazeres, às vezes, fazem o desejo aumentar.

Quando estive no torneio de Roland Garros, aventura que contei aqui, foi precisamente o momento em que me nasceu um desejo muito maior.  Passei a desejar fazer o meu próprio Grand Slam; estar em cada um dos grandes torneios de tênis.

A oportunidade de começar a colocar o meu mega desejo em prática não tardou a chegar. Ainda em 2013, pude ir à  Inglaterra no mês de julho, de forma a estar no torneio de Wimbledon. 

Em Roland Garros, eu assiti às partidas da terceirta rodada. Por um lado, foi muito excitante, pois haviam jogos simultâneos em dezenove quadras, além das ocorridas nas duas quadras principais.  Por outro lado, os jogos nesta etapa do campeonato são sempre dos cabeças de chave com os adversários - presumivelmente - mais fracos.

Decidi então comprar um ingresso para as quartas de final de Wimbledon. Meu raciocínio foi o de que eu veria dois (dois jogos acontecem na quadra Central e dois na quadra 01, simultaneamente) dos quatro jogos com os oito melhores jogadores do torneio. 

Tomada a decisão, teve início uma sucessão de imprevistos e surpresas que fazem com que nenhuma viagem seja exatamente como haviamos planejado. No caso de Wimbledon, os deuses do Tênis estavam do meu lado.

Não foi tão fácil comprar os tickets como pra Roland Garros. Acho que pra serem bem britanicamente democráticos, eles disponibilizam os tickets numas "Boxes", para as quais as pessoas passam a noite na fila e disputam na manhã dos jogos. Me pareceu impraticável que eu me abalasse pra Londres sem ter um ticket garantido. Foi assim que, no meio de  inúmeras pesquisas na Web, deparei-me com uma forma de comprar "Tickets Debentures" exatamente pros jogos que eu queria.

 Eles eram bem caros (!), mas a minha santa ignorância  creditou o excessivo custo a ser uma etapa já decisiva de um torneio tão tradicional. 

Bom, se eu pudesse, eu diria a Giacomo Leopardi que, além do desejo, a ignorância pode ser infinita. A minha, no caso, eu comecei a mensurar na véspera da partida, quando peguei o ticket num suntuoso hotel vizinho ao Palácio de Buckinghan. Tudo no meu ticket era luxuoso, desde o local onde eu deveria buscá-lo, até o pingente que veio com ele, que eu deveria pendurar na minha roupa, onde estava escrito que eu não teria acesso ao "Lounge Debenture Holders" trajando jeans, tênis e/ou todos os outros tipos de roupa que eu tinha na mala! 

Depois de contar com a ajuda das minhas companheiras de viagem para descolarmos um modelito para eu ir ao jogo, lancei-me à minha aventura.

 Ver as estações de metrô vizinhas com tapete imitando as quadras de grama...




...as árvores cortadas em forma de bola de tênis...



...o telão que transmite os jogos principais para uma multidão que não tem tickets para as quadras principais...



... já faz com que entrar no All England Club seja uma experiência  emocionante.

Mas claro que sempre tem os bônus que a gente ganha somente por estar atento ao que ocorre à nossa volta. Foi assim que intui que deveria entrar numa das quadras pequenas  antes do horário do jogo. 

 

Ganhei o bônus de acompanhar o treino do Djockovic bem de pertinho! A propósito, um dos jogos que eu veria a seguir seria com ele.

Mas a surpresa maior ficou mesmo a cargo do "Lounge Debeture Holders". Quando lá cheguei, ganhei um crachá, pra botar o meu ticket, que já era um lindo souvenir. 

Entrando no Lounge da Quadra 01, descobri que se trata de um mezanino das duas quadras principais, todo envidraçado, onde você conta com alguns restaurantes exclusivos - e outras facilidades - e de onde pode assistir aos jogos das quadras menores sentados em confortáveis nichos de sofás e poltronas.   

Instalada num desses nichos, assisti a um jogo juvenil, inclusive do jogador que veio a ser campeão da categoria. 



Pude também observar a chegada dos outros detentores dos tickets debentures e, paulatinamente, minha ignorância foi cedendo espaço à consciência da razão de aquele ticket ter custado tão caro. 

As pessoas foram chegando... elegantemente vestidas... todas traziam  às mesas baldes de champanhe... e todas pareciam se conhecer de alguma forma. Foi quando reparei que muitas delas - homens ou mulheres - usavam casacos com um mesmo brasão, que minha ficha caiu: eles eram sócios do All England Club e eu havia comprado um ticket de sócio!!!

Quando chegou a hora do jogo e todos nos dirigimos para os nossos assentos, a surpresa final quase me levou às lágrimas. O meu assento, juntamente com os dos "outros" sócios era bem perto da quadra e - como eles conhecem bem o local - na única parte da quadra que não batia sol hora nenhuma!



Os jogos foram bárbaros! Novak Djokovic venceu Thomas Berdich num jogo disputado, enquanto ouvíamos os gritos da quadra central -e acompanhávamos no placar dos intervalos -  Juan Martin del Potro quase derrotando Andy Murray!

Na segunda etapa, Jerzy Janowicz e Lukasz Kubot  fizeram o duelo que levaria um polonês pela primeira  vez a uma semi-final de Wimbledon. Janowicz ganhou e os cumprimentos   dos compatriotas, que se abraçaram e trocaram camisas, emocionou a todos os presentes.

No final do dia, voltei pra o hotel envolta num torpor que durou semanas. Tinha a sensação de ter vivido um momento especialíssimo, em condições no mínimo inusitadas. 

Agora estou prestes a empreender meu próximo passo no meu projeto de Grand Slam. Em janeiro, estarei em Melbourne, com o meu ticket pras quartas de final do  Austrália Open. Dessa vez um ticket normal e uma apreensão no coração: espero que o episódio de glamour de wimbledon não ofusque a minha experiência do outro lado do mundo. 



Daquela experiência glamourosa me restou a impressão que quando o desejo e a ignorância são infinitos, eles também podem potencializar o prazer!


domingo, 18 de agosto de 2013

Pessoas e viagens

Lisboa 2004 me trouxe
Sophia Andersen e a poesia

No caminho que traçamos pela vida, algumas pessoas nos trazem viagens e algumas viagens nos trazem pessoas.

Em julho  de 2004, encontrei Lisboa um clima de comoção pela morte de Sophia de Mello Breyner Andersen. Curiosa, vim a saber que era uma das mais importantes poetisas portuguesas do século XX. Por todo lado se via seu rosto ou nome. De passagem por uma livraria, onde suas obras estavam em destaque, resolvi comprar um livro de contos e um dos volumes da sua Obra Poética, para serem meus livros de viagem.

Voltei ao Brasil, alguns dias depois, com uma novidade e encontrei uma surpresa. A novidade é que, ao contrário do que eu supunha, o livro com o qual eu me agarrei foi o de poesia. Ali surgiu o hábito que carrego até hoje, de ler livros de poesia, do início ao fim, selecionando aquele poemas com os quais me identifico. A surpresa é que eu soube que Miguel Souza Tavares, um escritor português que eu admirava, não pôde vir à Flip daquele ano, em razão da morte de sua mãe... que era justamente a Sophia. 

Este ano eu fui ao Rio de Janeiro e levei na bagagem a vontade de conhecer dois lugares: a Fundação Eva Klabin, cujo desejo surgiu desde que eu conheci a Fundação Ema Klabin, em São Paulo; e o Instituto Moreira Salles, cujo desejo surgiu da intenção de conhecer as fichas do Santiago, desde que assisti o  filme de João Moreira Salles, um dos meus filmes preferidos. 


A casa da Eva Klabin fica num lugar de vista privilegiada da cidade do Rio de Janeiro, na Lagoa Rodrigo de Freitas.



Logo que entrei, chamou-me a atenção a grande quantidade de pesadas cortinas que cobriam as grandes janelas. Tive a impressão de que a ideia talvez tenha sido isolar a moradora do sol e da claridade do lugar. Durante a visita,as informações sobre os hábitos reclusos e notívagos da Eva confirmaram a minha impressão.

A coleção de arte da Eva Klabin é grandiosa e comparável à da Ema Klabin, que havia conhecido em São Paulo. No entanto, não senti o envolvimento e o encantamento que tive na casa do Jardim Europa. Depois de prescrutar  um tempo, percebi que, a despeito do valor artístico das peças expostas no casa da Ema Klabin, lá o que mais se sente é a força vital que irradiava da sua personalidade e das suas ações, que deixaram marcas na cidade e nas pessoas. Foi disso que senti falta na casa do Rio de Janeiro. Lá estava (apenas?) uma belíssima coleção de objetos de arte.

A minha ida ao Instituto Moreira  Salles foi uma jornada que começou com um ônibus errado e informações incompletas. O IMS fica na Rua Marquês de São Vicente e esta rua realmente começa em frente ao Jockey Clube, mas ela é longuíssima e vai subindo o Morro da Gávea, de forma que subi-la a pé, definitivamente, não é uma boa opção.

O meu cansaço, aliado à ansiedade de estar cada vez mais perto do meu primeiro contato com Santiago, deu-me a impressão, ao entrar finalmente na Casa da Gávea, que estava penetrando num   lugar etéreo.







Quando entrei no prédio, procurei a recepção e solenemente pedi: "Por favor, gostaria de visitar a Coleção das Fichas do Santiago." A recepcionista, meio atônita, me disse que não seria possível. (!?!) As fichas só podem ser consultadas com prévio agendamento com os responsáveis pelo acervo do IMS.

Superada a surpresa e feito o esforço de relevar as vantagens de ter passado pela odisseia de chegar ali, voltei-me para a visita da Casa da Gávea e esperei para ver o que encontraria ali.

"Mas existe verdadeiramente outro rumo? Na verdade só existe a direção que tomamos. O que poderia ter sido já não conta."



A casa é incrustada entre a mata e a Pedra da Gávea. Além do impacto da natureza que a circunda, cada ângulo do seu entorno traz uma surpresa de beleza e encanto.




De todas elas, a mais impactante foi ver a piscina que traz, na minha opinião, a cena mais forte do filme.

Foto de Guilherme Wisnik


Eu simplesmente não podia sair dali. Encontrei um banco e ali, por muito tempo sentada,  respirei, refleti... e senti.



Quando pude, finalmente, ter minha alma sentada ao meu lado, comecei a perceber os detalhes mais sutis daquela experiência. No banco em que estava sentada, tinha uma frase gravada da Clarice Lispector: "Sentada ali num banco, a gente não faz nada: fica apenas sentada deixando o mundo ser."



Quando senti que podia, fui deixando a casa e, ao partir, trazia comigo uma convicção. O que eu vivi naquele banco no Instituto Moreira Salles fez da minha busca pelas fichas do Santiago "a melhor coisa que não me aconteceu".

sexta-feira, 8 de março de 2013

The life is on the table

Eu estava totalmente sem vontade de falar. Também não tenho vontade de viajar.



Inapetência justificável pelas circunstâncias. O jeito era esperar a vontade voltar.  

Mas, tem coisa que a gente nunca deixa de fazer. Uma delas é sentar à mesa. Em casa, nos restaurantes, bares, e até em aeroportos, nos minutos contados de uma conexão, é sempre tempo pra ficar do mesmo tamanho, olhar nos olhos do outro e receber a dose de cura do momento compartilhado.

Um dia desses, passando por Brasília, nos cinquenta minutos de conexão, recebi da minha grande amiga Adriana, na pequena mesa do aeroporto, um lote de iguarias, amizade e compreensão que tem me nutrido até hoje.

Claro que momentos especiais podem ser vividos em qualquer lugar, mas parece que o colocar-se à mesa já predispõe as pessoas à troca.





A mesa, mais do que um móvel utilitário, é altar de sensações...



... e, talvez seja por isso, que é também germinador de idéias.

 Lembo-me, então, que o mundo é cheio de lugares onde suas mesas acolheram situações e acontecimentos de importantes nomes das artes e/ou de seus maravilhosos personagens. Suas presenças ainda podem ser sentidas.

Em San Francisco, tem o Café Trieste de Jack Kerouac...



A presença indelével de Fernando Pessoa no Martinho da Arcada, em Lisboa...




O Bar Veloso da Rua Montenegro, de tão emblemático significado,  passou a se chamar Garota de Ipanema, na rua cujo nome passou a ser Vinicius de Moraes.

Bar Garota de Ipanema

Já algumas outras mesas surgiram direto da ficção...






No final das contas, é na mesa que temos sustento: alimentício, etílico, fraternal e amoroso.




 É nela que a alma repousa e se permite ser curada.