segunda-feira, 16 de junho de 2014

Palavras sussurradas

No último dia 30 de maio, encerrou-se a exposição “Múltiplo Leminsky”, que esteve, por dois meses, na Torre Malakoff. Durante esse período, estive lá algumas vezes, curtindo a atmosfera da voz, das fotos, da obra desse poeta, cuja obra eu muito admiro.



O que chamou minha atenção, desde a minha primeira visita, foram os livros da biblioteca do Paulo. Ele tinha inúmeros dicionários, dos mais variados idiomas. 


Além das línguas mais usuais e conhecidas, havia também alguns bastante peculiares, como “Dicionário Kechwa-Castellano”, “Vocabulario da lengua Guarani”, “Gramatica Grega” e “Curso Primario das Linguas Nipo-Brasileiras”.





Num primeiro momento, esse caleidoscópio linguístico me fez pensar em como essa gama de possibilidades linguísticas deve ter propiciado viagens fabulosas. Na revista UP, de maio/2014, um artigo de Gonçalo M. Tavares, me fez pensar nesse aspecto da linguística.

“’Se eu soubesse inglês não era eu, era outra pessoa’, escreveu Alberto Caeiro.
Quando se está num país em que os habitantes falam uma língua ininteligível, sente-se por completo como verdadeira esta frase. Se queres mudar de vida, aprende outra língua e outra e outra. Porque numa língua diferente – e para mais quando é muito afastada da lógica da nossa língua – obriga a uma posição e a uma movimentação do corpo completamente diferentes. Aprender uma língua é mudar de corpo. Não é apenas mudar de hábitos sonoros e dos micromúsculos que participam da fala, é mudar dos pés à cabeça. Aprender uma nova língua é mudar de país sem mudar de país. É uma mudança de solo mental.
Ir à China sem sair do sítio – aprender chinês.”

Diante de tal variedade de interesses, ponderei que, na verdade, a paixão de Paulo deveria ser pela palavra. A palavra em qualquer língua (aos 22 anos já falava 10 línguas). A palavra e seu(s) significado(s). Daí me lembrei que os poetas são de tal forma íntimos das palavras, que as palavras lhes sussurram poemas. 



Pelo menos é isso que contam na Irlanda...

Como você provavelmente sabe, ninguém pode escrever um poema. Não existe o ato de escrever um poema. Não é assim que eles são feitos. Lá podem estar o papel, a caneta e a tinta, mas você tem que esperar o poema chegar.

As pessoas que nós chamamos poetas, os verdadeiros poetas, eles são ouvintes muito atentos, que reconhecem quando um poema está prestes a despencar. Daí eles copiam o que o poema está lhes dizendo nas suas cabeças.

A verdade sobre os poetas é que eles nunca têm que esperar. Assim como alguém que gosta muito de frutas sempre encontra alguém que lhe ofereça uma pela rua, tão logo um poeta sinta que um poema está flutuando pelas redondezas, ele o sente fluindo pela sua cabeça, escorregando pelos seus braços até os dedos e saindo para o papel em letras negras.

E poemas são como anjos. Eles nos visitam frequentemente, mas temos que esperar por eles e acreditar neles, para receber seus presentes.

A Irlanda teve muitos grandes poetas, porque é um país tranquilo, com vastos campos vazios e ruas silenciosas, onde é muito fácil ouvir um poema quando ele está chegando.

Mas como é que os poemas surgiram? O início de tudo foi tipicamente irlandês. Isso começou com um marido, sua esposa estrangeira e uma demanda judicial. 

Mas essa é uma outra história, que eu contarei numa outra oportunidade...