domingo, 18 de agosto de 2013

Pessoas e viagens

Lisboa 2004 me trouxe
Sophia Andersen e a poesia

No caminho que traçamos pela vida, algumas pessoas nos trazem viagens e algumas viagens nos trazem pessoas.

Em julho  de 2004, encontrei Lisboa um clima de comoção pela morte de Sophia de Mello Breyner Andersen. Curiosa, vim a saber que era uma das mais importantes poetisas portuguesas do século XX. Por todo lado se via seu rosto ou nome. De passagem por uma livraria, onde suas obras estavam em destaque, resolvi comprar um livro de contos e um dos volumes da sua Obra Poética, para serem meus livros de viagem.

Voltei ao Brasil, alguns dias depois, com uma novidade e encontrei uma surpresa. A novidade é que, ao contrário do que eu supunha, o livro com o qual eu me agarrei foi o de poesia. Ali surgiu o hábito que carrego até hoje, de ler livros de poesia, do início ao fim, selecionando aquele poemas com os quais me identifico. A surpresa é que eu soube que Miguel Souza Tavares, um escritor português que eu admirava, não pôde vir à Flip daquele ano, em razão da morte de sua mãe... que era justamente a Sophia. 

Este ano eu fui ao Rio de Janeiro e levei na bagagem a vontade de conhecer dois lugares: a Fundação Eva Klabin, cujo desejo surgiu desde que eu conheci a Fundação Ema Klabin, em São Paulo; e o Instituto Moreira Salles, cujo desejo surgiu da intenção de conhecer as fichas do Santiago, desde que assisti o  filme de João Moreira Salles, um dos meus filmes preferidos. 


A casa da Eva Klabin fica num lugar de vista privilegiada da cidade do Rio de Janeiro, na Lagoa Rodrigo de Freitas.



Logo que entrei, chamou-me a atenção a grande quantidade de pesadas cortinas que cobriam as grandes janelas. Tive a impressão de que a ideia talvez tenha sido isolar a moradora do sol e da claridade do lugar. Durante a visita,as informações sobre os hábitos reclusos e notívagos da Eva confirmaram a minha impressão.

A coleção de arte da Eva Klabin é grandiosa e comparável à da Ema Klabin, que havia conhecido em São Paulo. No entanto, não senti o envolvimento e o encantamento que tive na casa do Jardim Europa. Depois de prescrutar  um tempo, percebi que, a despeito do valor artístico das peças expostas no casa da Ema Klabin, lá o que mais se sente é a força vital que irradiava da sua personalidade e das suas ações, que deixaram marcas na cidade e nas pessoas. Foi disso que senti falta na casa do Rio de Janeiro. Lá estava (apenas?) uma belíssima coleção de objetos de arte.

A minha ida ao Instituto Moreira  Salles foi uma jornada que começou com um ônibus errado e informações incompletas. O IMS fica na Rua Marquês de São Vicente e esta rua realmente começa em frente ao Jockey Clube, mas ela é longuíssima e vai subindo o Morro da Gávea, de forma que subi-la a pé, definitivamente, não é uma boa opção.

O meu cansaço, aliado à ansiedade de estar cada vez mais perto do meu primeiro contato com Santiago, deu-me a impressão, ao entrar finalmente na Casa da Gávea, que estava penetrando num   lugar etéreo.







Quando entrei no prédio, procurei a recepção e solenemente pedi: "Por favor, gostaria de visitar a Coleção das Fichas do Santiago." A recepcionista, meio atônita, me disse que não seria possível. (!?!) As fichas só podem ser consultadas com prévio agendamento com os responsáveis pelo acervo do IMS.

Superada a surpresa e feito o esforço de relevar as vantagens de ter passado pela odisseia de chegar ali, voltei-me para a visita da Casa da Gávea e esperei para ver o que encontraria ali.

"Mas existe verdadeiramente outro rumo? Na verdade só existe a direção que tomamos. O que poderia ter sido já não conta."



A casa é incrustada entre a mata e a Pedra da Gávea. Além do impacto da natureza que a circunda, cada ângulo do seu entorno traz uma surpresa de beleza e encanto.




De todas elas, a mais impactante foi ver a piscina que traz, na minha opinião, a cena mais forte do filme.

Foto de Guilherme Wisnik


Eu simplesmente não podia sair dali. Encontrei um banco e ali, por muito tempo sentada,  respirei, refleti... e senti.



Quando pude, finalmente, ter minha alma sentada ao meu lado, comecei a perceber os detalhes mais sutis daquela experiência. No banco em que estava sentada, tinha uma frase gravada da Clarice Lispector: "Sentada ali num banco, a gente não faz nada: fica apenas sentada deixando o mundo ser."



Quando senti que podia, fui deixando a casa e, ao partir, trazia comigo uma convicção. O que eu vivi naquele banco no Instituto Moreira Salles fez da minha busca pelas fichas do Santiago "a melhor coisa que não me aconteceu".