segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Contos dos Cantos do Mundo III

Book of Kells

Há muito, muito tempo atrás, numa abadia da Irlanda havia dois monges. Seus nomes eram Annan e Senan e, enquanto um era alto e magro, o outro era baixo e gordinho. Para além das diferenças físicas, no entanto, eles se uniam através de incontáveis semelhanças: eram igualmente gentis, devotados e justos. Eles viviam nesta abadia há exatos vinte e cinco anos, todos os amavam e eles amavam o mundo.

Chegou o dia em que o velho Abade morreu. Ele tinha sido um homem admirável e deixou, além de uma eficiente e bem sucedida abadia, a grande questão: quem seria o próximo Abade? Para a surpresa de todos, o falecido Abade escolheu não deixar decida a questão da sua sucessão. Desde os tempos mais remotos, as abadias da Irlanda sempre mantiveram uma atitude de independência em relação a Roma e aqueles monges acreditavam em escolher seu próprio Abade.

Annan, Senan e os outros monges sabiam que a escolha do novo Abade tinha certa urgência. Quando os monges vieram a se instalar nessas terras, receberam a área para construir o monastério de um fazendeiro local, um homem saudável, que tinha sido batizado pelo próprio São Patrick. Ao longo das próximas quinze gerações, os descendentes do fazendeiro  sempre permitiram que a Abadia ali permanecesse, sob o respeito de apenas uma condição: que eles se sentissem confortáveis com a escolha de cada Abade. Assim, passou a acontecer que eles ou escolhiam o Abade ou ajudavam na escolha.
Quando o velho Abade morreu, as terras pertenciam a uma viúva, chamada Delia, bastante hábil e, como todos, ela também sabia que os dois melhores candidatos eram Annan e Senan. Desde o funeral do velho Abade ela os observava para decidir qual deles seria um melhor líder, mas, quanto mais pensava sobre o assunto, mais confusa ficava. Ela não podia distinguir entre eles,  pois ambos tinham excelentes qualificações. Eles se igualavam em se distinguir dos demais monges como indicados para o cargo.
Esgotadas as tentativas racionais para a escolha, ela desenvolveu uma diferente forma de solução: ela decidiu fazer uma competição entre os dois homens. Sua decisão surgiu do fato de que esse monastério tinha se tornado famoso por seu scriptorium, o mais renomado em toda a igreja Cristã. Em um scriptorium, monges escreviam e pintavam aqueles maravilhosos e coloridos livros sagrados, para ilustrar os hinos e salmos. Os manuscritos produzidos pelos monges marcaram a era de ouro da incipiente Irlanda cristã e fizeram a sua fama de Ilha de santos e estudiosos.

A dona das terras então decidiu que cada um deveria fazer uma página de um livro sagrado. Cada um poderia escolher o texto e então decorar com as belas iluminuras, mas deveria fazê-lo em segredo. Quando estivessem terminadas, elas seriam expostas no refeitório, para que os monges votassem na sua preferida. A mais votada faria do seu autor o novo Abade.
Annan e Senan então combinaram os termos do trabalho e decidiram que fariam o melhor trabalho que pudessem para servir de base a um incrível livro, uma grande e brilhante obra de arte, que não seria utilizado no uso diário, mas ornaria o altar em dias especiais: um ornamento sagrado.

Por seis meses eles trabalharam incessantemente, com as melhores matérias-primas que puderam encontrar. Quando faltavam três dias para o final do prazo, eles então terminaram o seu trabalho ao mesmo tempo, se abraçaram e disseram um ao outro: “não posso esperar para ver sua página.” Emocionadíssimos, contemplaram o trabalho um do outro e depois levaram as páginas cuidadosamente para o refeitório. Annan pendurou a página de Senan e Senan pendurou a página de Annan. Por mais de uma hora, os monges as admiraram maravilhados e concluíram que seria muito difícil decidir quem deveria ganhar.
Comunicaram Delia do término dos trabalhos, que chegou imensamente animada. Ela adorou os trabalhos, mais que todos os outros. Depois de congratular os dois, ela organizou a votação secreta.
Sem contar Annan e Senan, a comunidade tinha duzentos e nove monges. Mais o voto da Delia. Duas caixas que marcavam “Página um” e “Página Dois” foram colocadas na mesa no canto mais escuro do refeitório. Cada monge deveria ir à mesa, escolher um papel colorido e colocar em uma das caixas.
Um a um os monges votaram, depois Delia e, por fim, Annan e Senan, totalizando então duzentos e doze votos. O monge mais velho fez a contagem das cédulas da caixa “Página Um” e todos ficaram admirados, pois nela havia duzentos e onze votos. Isso poderia significar que todos os monges colocaram os papéis numa caixa só por engano ou que todos os votantes, menos um, escolheram a “Página Um”.
Delia, pasma, disse que deveriam ver a segunda caixa. Os monges a olharam estupefatos, tentando imaginar a razão de sua ordem, pois certamente o resultado já era conhecido: o autor da “Página Um” seria o novo Abade. O velho monge então pegou a segunda caixa e começou a contar os votos: duzentos e onze votos! Isso significa que a “Página Um” e a “Página Dois”  receberam o mesmo número de votos.

Uma grande comoção tomou conta do refeitório até que Delia interveio: “Duzentos e nove monges. E eu. Isso seria duzentos e dez votos. Mais Annan e Sennan. Isso seria duzentos e doze votos. Isso quer dizer que quase todos votaram duas  vezes. Eu sei que fiz isso.” Todos aplaudiram  e ela continuou, olhando para Annan e Senan:  “Mas eu esperava que vocês fizessem o desempate”. Annam disse: “Eu votei no Senan” e Senan disse “Eu votei no Annan”.
“Nesse caso” disse Delia, “os dois continuam como estão; vocês administrarão a Abadia juntos. Ao invés de um Abade, vocês terão dois”.

E, assim, reza a lenda, teve início o famoso Book of Kells, o mais famoso dos antigos livros de iluminuras irlandeses. Ele encontra-se exposto permanentemente na biblioteca do Trinity College, em Dublin, onde jaz numa caixa de proteção e as páginas são viradas diariamente, de forma que, a cada dia, uma página pode ser admirada.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Atraversiamo

Tenho grande fascínio por pontes. Gosto delas de todos os tipos: metálicas, antigas, pênseis, alegóricas, rebuscadas, singelas, de madeira, famosas, coloridas, discretas ou desconhecidas.

Pelas minhas andanças, fui colecionando afetos pelas pontes que me conduziram pelos caminhos. Por algumas tenho especial afeição:

Ponte do Brooklyn, New York       


Ponte sobre o Rio Mississipi, New Orleans

Golden Gate, San Francisco -EUA


Ponte sobre o Rio São Francisco, Propriá - SE


Ponte Carlos, Praga - República Tcheca

 
Ponte num bosque, Bergen - Noruega


Ponte 25 de Abril, Lisboa - Portugal


Ponte de Tomar- Portugal


Ponte no Gap of Dunloe, Killarney - Irlanda


Chambord - França


Tower Bridge, Londres - Inglaterra


Bruges - Bélgica


 Ponte Dom Luis, Porto - Portugal

Ponte Alexandre III, Paris - França


Ponte com Campanha Publicitária, Amsterdam - Holanda












Tintagel Castel, Cornualha - Inglaterra
Ponte Romana de Córdoba - Espanha


Ponte transformada em salão de baile, Chenonceau - França


Ponte Vecchio, Firenze - Itália


Ponte do Rialto, Veneza - Itália


Ponte Neuf, Paris - França

Já me perguntei a razão do meu encantamento pelas pontes e desconfio que seja o simples, mas também especial poder de conduzir, transportar, levar para outro lugar. Uma ponte nos tira de onde estamos e nos leva...

...Nem sempre sabemos para onde vamos. Uma ponte aparece no nosso caminho e, incautos, nos vemos no meio dela sem saber o que esperar.

Esse é precisamente o momento em que devemos parar, lá no alto da ponte, e meditar...

...Observar o que vemos de lá. Coisas fabulosas podem ser vistas de lá...
 
Vista da Ponte do Brooklyn, New York - EUA

... Porque de lá, de lá dá pra voltar...
... dá pra encarar...
... e dá simplesmente pra respirar fundo e deixar o nome emergir do fundo da alma...Lowenstein!!!*
*Inspirado no filme Príncipe das Marés
**Algumas fotos carinhosamente surrupiadas da Dri.


sábado, 20 de agosto de 2011

Transbordo

Tem dias que a alma transborda. Os olhos já não são represas suficientes e a sensibilidade se transforma numa torrente de lágrimas que passam livres sobre o vão inerte de resistência e censura.


Tem dias que a alma simplesmente não cabe dentro da gente...

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Ponto de encontro

Nos esquecemos de que, antes de urbanizarmos desordenadamente este mundo, os animais já aqui circulavam.

Nos dias de hoje, quando, inesperadamente, os encontramos nos centros urbanos, damo-nos conta de que eles continuam tendo rotas definidas e lugares de preferência, mas a convivência com os humanos terminam alterando a sua rotina.

Em Faro, no Algarve - Portugal, a cidade é invadida pelas cegonhas. Elas deveriam cruzar o estreiro de Gibraltar em uma parte do ano, para se proteger do inverno no território africano.


Tem-se percebido, entretanto, que parte delas ficam por lá. Talvez por perceberem que a oferta de alimentos nos centros urbanos é inesgotável...



Elas são muito simpáticas. Fazem seus enormes ninhos nos telhados, postes ou torres e sonorizam o ambiente batendo os seus bicos (abrindo e fechando o bico).




Um outro exemplo da convivência dos animais em centros urbanos eu vi em São Francisco - Estados Unidos.

Eram cerca de 1.500 animais, que começaram a chegar ao píer 39 no fim de 1989. Viraram uma atração turística do lugar.


Especialistas em vida marinha dizem acreditar que eles chegaram a San Francisco buscando alimentos como sardinhas e anchovas.

O barulho incessante que faziam era o tom característico das visitas ao Fisherman's Wharf.

Esses pontos de encontro nos lembram que, a despeito do que alguns podem pensar... não somos os únicos ocupantes desse planeta!!

sábado, 6 de agosto de 2011

Atenção: Você pode se apaixonar por Jerez de la Frontera!!

Na Andaluzia, sul da Espanha, entre todas as cidades estrelas, tais como Córdoba, Sevilha e Granada, que chamam muito mais a atenção do turista, está a pequena Jerez de la Frontera.

Tendo já estado nas demais, resolvemos sair da auto-estrada e conhecer Jerez. O que sabíamos da cidade é que nela são feitos os testes da pré-temporada do circuito da Formula 1 e que nela são produzidos os brandys.

Logo na entrada, percebemos que estávamos no lugar certo...


Ao entrarmos na cidade, percebemos, pelas placas indicativas, que há várias bodegas - onde são produzidos vinhos e brandys – abertas às visitas e degustação. Como havia flâmulas penduradas nos postes, noticiando os 175 anos do Tio Pepe, famoso vinho da Bodega homônima, do grupo Gonzalez-Byass, decidimos visitá-la.

Ao comprarmos os tickets, temos que decidir o estilo da degustação desejada: 2 vinos sin tapas; 2 vinos con tapas; 4 vinos sin tapas; 4 vinos com tapas. Claro que escolhemos 4 vinos com tapas!!

Enquanto esperávamos o início da visita, pudemos sentir o clima da Fórmula 1 pelas fotos dos autógrafos dos pilotos de todos os tempos.

                                                                       Nosso querido Ayrton Senna, autografando o barril.


A visita é muito boa, acima da média das vinícolas que tenho visitado por aí, com recursos de locomoção e audiovisual.
Sobre o brandy...
O brandy é um primo do cognac, que tem o nome reservado para as bebidas produzidas na região homônima da França.

Enquanto o vinho é feito da fermentação da uva, o brandy é resultado da destilação do vinho.

O Lepanto, brandy produzido pelas Bodegas Tio Pepe, é o resultado dos vinhos que são produzidos no clássico sistema de Criaderas y Soleras de Jerez e depois destilados em alambiques Charentais.

                                                                        Destilaria moderna 


O sistema de Criaderas y Soleras consiste numa pilha de três fileiras de barris, na qual a fileira inferior abriga a primeira colheita; a segunda fileira abriga a colheita seguinte (nova), com uma parte da colheita anterior (já amadurecida); na terceira e última fileira abriga uma terceira colheita (nova), com partes das duas fileiras de barris anteriores (mais amadurecidas).
Pois bem, o vinho resultante desse processo já é bem encorpado... mas aí eles destilam esse vinho duas vezes.

                                                         Destilaria histórica, herança moura

A destilação é feita colocando-se o vinho num recipiente onde ele é fervido. Quando o vinho entra em ebulição, o álcool evapora e é conduzido por umas serpentinas até um outro recipiente onde ele, sendo resfriado, volta à sua forma líquida. Portanto, o que sai do outro lado é o álcool apartado da uva, certo?? Aí eles pegam esse produto e submetem ao mesmo processo novamente, aumentando o teor alcoólico do produto resultante da segunda destilação.
Voltando à nossa visita de “4 vinos com tapas”... as bebidas são servidas com as “tapas” básicas (presunto cru, queijo, pão, batatas, etc...), mas se pode também pedir outros petiscos com preço bem razoáveis.

                                                          Meu irmão, Carlinhos, companheiro de aventuras.
 Os petiscos são deliciosos!!
 Rabo de Toro                                                                                                        Arenques
O estado de espírito vai se enlevando conforme as taças vão sendo sorvidas... no final, a sensação é de profundo amor pelo Tio Pepe! Para constatar o fato, basta comparar as fotos do “antes e depois” da degustação.


Antes...                                                                         ...Depois da degustação



Antes...                                                                         ...Depois da degustação


 Em conclusão, recomendo aos que passarem por aquelas bandas que, se puderem, visitem Jerez de la Frontera. Mas, atenção: há uma forte probabilidade de sair de lá apaixonado...


sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Lavanda

"Alma lavada, levita, levanta, lavanda...."




Esta é uma visão possível dos campos da França (Provence) e da Inglaterra. Ao cruzar as estradas do interior deses países, somos supreendidos pela explosão de roxo e, ao abrir dos vidros, pelo inebriante perfume das flores...

Para quem não sabe, a lavanda é também conhecida como Alfazema. Foi levada para a Inglaterra pelos romanos e, além do uso cosmético, também tem propriedades curativas e pode ser utilizada na gastronomia, como erva, para dar sabor aos pratos!