O intuito das férias é viajar, ir pra longe, transpor fronteiras e abandonar-se a si mesmo. "Tchau myself, a gente se vê quando eu voltar".
Daí começam os planos, esquemas, programas e roteiros. Nem nos damos conta de que as férias são pra reenergizar e que o seu planejamento não pode ser mais rígido do que a rotina diária.
A grande descoberta para fazerem as férias serem, de fato, um descanso pra alma, é dar espaço pro acaso. Ter aquela folga de tempo na programação, pra encaixar um interesse inesperado, ou satisfazer a necessidade do 'dolce far niente'.
Minha estada em San Francisco, cidade em que já estive antes, teve o propósito de descansar das atividades que eu teria antes e depois dessa parada. Enquanto recobrava minhas energias numa estada lânguida e reconfortante, desvendaria melhor os mistérios dessa cidade tão instigante.
Foi assim que, num sábado, resolvi fazer, a pé, mais um trecho da Scenic Drive, um percurso demarcado na cidade, que fornece vistas gratificantes da região.
O movimento começou ao deixar o hotel somente ao meio-dia, como vinha sendo praxe nesses dias de descanso. Tudo corria muito lento e agradável. A fome ainda não dava sinais e a temperatura era controlada pelo lado da calçada (com ou sem sol) que eu escolhia usar.
De repente, logo após passar por Chinatown, me deparei com o Café Trieste (! O imprevisto !). Na minha outra estada aqui, tinha passado em frente e tirado uma foto rápida, por ter me lembrado que era um lugar que Jack Kerouac costumava frequentar.
A fome nem era tanta, mas como eu deveria consumir pra poder estar lá, pedi uma fatia de quiche e uma taça de pinot grígio.
Aos poucos, o lugar foi entrando em mim. Comecei a comer devagar, saboreando o vinho e reparando a vida que corria ao redor. Tinha gente só lanchando, tinha gente escrevendo...
...jogando xadrez...
...pintando...
Na jukebox tocou desde folk até tango argentino. Quando, animada pela segunda taça de pinot grígio...
...começou a tocar California Dreamin!
A Scenic Drive teve que esperar, porque eu gastei muuuitas horas no Café Trieste. Mas, afinal, férias (com F maiúsculo) não é isso? Acolher o acaso com carinho e gastar uma tarde de sábado num lugar especial?!?
PS - O bônus da tarde aconteceu quando Jeff, uma pessoa queridíssima, veio se sentar ao meu lado. Puxou conversa, dizendo que ia comer um bread pudding, que não era light nem barato, mas que era muito saboroso... Eu, então, querendo ser simpática, disse que era sábado e, portanto, extravagâncias podiam ser feitas.
Nesse momento, Jeff, meio surpreso meio divertido, me contestou, dizendo que, na verdade, "crazy things" devem ser feitas "e-ve-ry-day"!!! Segundo ele, esta é a razão de ele estar em San Francisco há trinta e cinco anos.
Segundo Jeff também, o Café Trieste está há esse tempo todo "do-mes-mo-jei-to". Partiu se desculpando, porque disse que eu parecia ser uma pessoa boa de fazer "crazy things with".
Jeff ficou na minha lembrança por muito tempo e me fez pensar no que eu havia lido, de que, na verdade, "San Francisco is a frame of mind".
Viajar com amigos é feliz, mas viajar sozinha é se dar um dos grandes presentes disponíveis na vida.
ResponderExcluirTudo adquire um sentido muito especial quando viajamos sós. A partir de um presente que damos a nós mesmas, o universo parece conjura para torná-lo ainda mais especial e nos apresenta muitas outras surpresas. Andar à toda, perder-se por ruas desconhecidas, chegar a lugares deliciosos e cheios de história como o Café Trieste ... E, claro, conhecer pessoas queridas, que passam rapidinho pelo nosso dia, mas permanecem conosco por muito tempo.
Dri, eu lembrei muito de você quando estava lá! <3
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