Mineira de nascimento, com residência em Recife - PE. Batendo Perna não é um blog somente sobre viagens, mas um espaço para falar de coisas lúdicas que inevitavelmente estão ligadas às nossas andanças por aí...
domingo, 26 de agosto de 2012
Haimi
Deliciando-me com o livro que que ganhei da minha querida amiga Larissa, que sabe do meu gosto por haicais, deparei-me com uma ponderação que diferencia a síntese da brevidade: "o exercício da síntese pressupõe uma sofisticada operação mental, enquanto a brevidade deve ser obtida por meio da experiência imediata e pessoal da realidade, livre de artifícios cerebrais ou retóricos".
Penso que a poesia (especialmente o haicai), mais do que os outros gêneros literários, pressupõe a percepção emocional como ferramenta. Um bom exercício para tocar a alma e descansar a razão. Segundo um aforismo zen, citado no mesmo livro, "o intelecto é um bom servo e um mau mestre".
Nesta coletânea, pude conhecer haicais de diversos autores, muitos dos quais nem sabia que tinham feito esse tipo de poema. Para mim, o melhor do melhor:
Antônio Fernando de Franceschi
se o ralo verso
tem halo
é um universo
***
Águas
se agitam logo
não me saciam
me afogo
Carlos Drummond de Andrade
Num automóvel aberto
riem mascarados
Só minha tristeza não se diverte.
Carlos Vogt
Falamos tudo e ainda
há o que
silenciar
***
Num Guardanapo
O movimento do homem
tende infinitamente
para o finito
Cyro Armando Catta Preta
Desolação
Fim da estrada. Só
Sem espaço para os passos.
Adiante e atrás: pó.
Erico Veríssimo
Serviço Consular
Com cartas brancas,
O senhor cônsul solta
Pombos de papel.
***
Gota de orvalho
Na corola dum lírio:
Joia do tempo.
***
Jardineiro Insensato
Passou a vida
A cultivar sem saber
A flor da morte.
Guilherme de Almeida
O Pensamento
O ar. A folha. A fuga.
No lago, um círculo vago.
No rosto, uma ruga.
***
Infância
Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se "Agora".
***
Pescaria
Cochilo. Na linha
eu ponho a isca de um sonho.
Pesco uma estrelinha.
Helena Kolody
Ressonância
Bate breve o gongo.
Na amplidão do templo ecoa
o som lento e longo.
***
Os Tristes
Em seus caramujos,
os tristes sonham silêncios.
Que ausência os habita?
Lêdo Ivo
No Meio da Rua
Exilado na multidão
sou silêncio e segredo, e venho
quando os outros vão.
***
Sabedoria
Viva o riso!
Só sabe rir quem tem
dente do siso.
***
Dia a Dia
Noite? manhã? tarde?
O meu dia é eterno
sem nenhum alarde.
***
A Cama
Amor silencioso!
Só a cama gemia,
parceira insaciável.
Millôr Fernandes
Há colcha mais dura
Que a lousa
Da sepultura?
***
Eu vim com pão, azeite e aço;
Me deram vinho, apreço abraço:
O sal eu faço.
***
Poeminha Fora da Estação II - Coragem é isso aí, bicho!
Eu sofro de mimfobia
Tenho medo de mim mesmo
Mas me enfrento todo dia.
Olga Savary
Rota
Que arda em nós
Tudo quanto arde
e que nos tarde a tarde.
***
Dionísica
O coice da flama:
égua e cavalo cavalgando
a pradaria da cama.
Waldomiro Siqueira Jr.
Íntimo
Ir e voltar, a esmo.
Estradas abandonadas
dentro de mim mesmo.
***
Anúncio
Vendo ou troco, urgente:
deserto, em lugar incerto,
por qualquer semente.
***
Noite
Meu filho, não nego
que tudo é belo. Contudo,
estou velho e cego.
***
Permanência
Um amor sem fim
às vezes dura dois meses,
ou nem tanto assim.
Rodolfo Witizig Guttilla
a vida tratou-me bem
tive como quando onde
e nunca faltou-me quem
******************* -------------------------*********************
Ué! Você poderia se perguntar: Cadê Alice Ruiz? Não estava na coletânea?
A Alice Ruiz foi quem me apresentou o haicai e através dela é que passei a amá-lo. Eu já sabia que ela tinha abraçado o haicai no seu encontro com Paulo Leminsky, mas, estranhamente, eu nunca tido lido os haicais do Paulo Leminsky, até ver essa coletânea.
Depois de lê-los e saboreá-los juntos aos da Alice Ruiz... não pude incluí-los dentre os melhores. Na minha opinião, eles (os deles) são o próprio haimi (sabor poético).
Paulo Leminsky Alice Ruiz
Soprando esse bambu por uma só fresta
Só tiro entra toda a vida
O que lhe deu o vento que o sol empresta
*** ***
pelos caminhos que ando há de vir no vento
um dia vai ser admirado de si mesmo
só não sei quando esse advento
*** ***
abrindo um antigo caderno sem saudade de você
foi que descobri sem saudade de mim
antigamente eu era eterno o passado passou enfim
*** ***
cortinas de seda rede ao vento
o vento entra se torce de saudade
sem pedir licença sem você dentro
*** ***
acabou a farra primavera
formigas mascam até a cadeira
restos de cigarra olha pela janela
*** ***
a palmeira estremece ouvindo Quintana
palmas pra ela minha alma
que ela merece assobia e chupa cana
sábado, 25 de agosto de 2012
Uma mão lava a outra
Recentemente eu estive em Londres, onde já havia estado antes. Embora adore conhecer novos lugares, acho uma delícia refazer destinos.
Claro que é inevitável que visitemos novamente pontos já conhecidos, mas que adquiriram lugar cativo no nosso coração...
...como o meu amado albergue no Holland Park...
...de onde se vai a pé pra feirinha da Portobello Road, em Notting Hill.
Mas sempre temos oportunidade de conhecer o que não tínhamos visto antes.
Desta vez, conheci o museu Sherlock Holmes, que funciona no seu endereço dos livros...
... e o Kensington Park.
Passei algumas horas no Kensington Park, inebriando-me com a maior moita de jasmim que eu já vi...
...refrescando-me na divertida Fonte da Princesa Diana...
...e encantando-me com esculturas espalhadas por ali, como a encantadora de Peter Pan.
Eu já tinha ficado impressionada com o modo como os britânicos preservam e cultuam os personagens das suas obras literárias (sem falar de Harry Potter) por ocasião da viagem. Mas agora descobri que "desde 1929, todos os royalties de Peter Pan (livros, filmes, teatros, merchandise, etc) são doados para o Great Ormond Street Hospital".
Pus-me a pensar, então, que é fantástico que as pessoas possam ajudar as artes (patrocinando obras e artistas), mas é ainda mais admirável perceber como a arte pode, também, além de encantar, ajudar as pessoas.
Claro que é inevitável que visitemos novamente pontos já conhecidos, mas que adquiriram lugar cativo no nosso coração...
...como o meu amado albergue no Holland Park...
...de onde se vai a pé pra feirinha da Portobello Road, em Notting Hill.
Mas sempre temos oportunidade de conhecer o que não tínhamos visto antes.
Desta vez, conheci o museu Sherlock Holmes, que funciona no seu endereço dos livros...
... e o Kensington Park.
Passei algumas horas no Kensington Park, inebriando-me com a maior moita de jasmim que eu já vi...
...refrescando-me na divertida Fonte da Princesa Diana...
...e encantando-me com esculturas espalhadas por ali, como a encantadora de Peter Pan.
Eu já tinha ficado impressionada com o modo como os britânicos preservam e cultuam os personagens das suas obras literárias (sem falar de Harry Potter) por ocasião da viagem. Mas agora descobri que "desde 1929, todos os royalties de Peter Pan (livros, filmes, teatros, merchandise, etc) são doados para o Great Ormond Street Hospital".
Pus-me a pensar, então, que é fantástico que as pessoas possam ajudar as artes (patrocinando obras e artistas), mas é ainda mais admirável perceber como a arte pode, também, além de encantar, ajudar as pessoas.
sábado, 11 de agosto de 2012
Enfim... Ema!
Pois é. Nas nossas andanças por aí, terminamos por deixar algumas coisas para a próxima vez. Ser capaz disso demonstra a leveza do estado de espírito que devemos ter para aproveitar a jornada. Mas algumas coisas, por vezes, são deixadas para depois mais vezes do que desejamos e se transformam em intensos desejos, proporcionadores de imensos prazeres quando satisfeitos.
Já há alguns anos, li numa revista de viagem a respeito das fundações Eva e Ema Klabin, com sede, respectivamente, no Rio de Janeiro e São Paulo, que abrigam as notáveis coleções de arte que as irmãs amealharam ao longo da vida. Desde então decidi começar por São Paulo e venho tentando visitar a Fundação Ema Klabin.
Sempre tive admiração pelo mecenato. Desde os Medicis fiorentios até Calouste Gulbenkian, os benfeitores da arte e da cultura me intrigaram.
Ema Gordon Klablin, juntamente com sua irmã Eva, herdou a fortuna do seu pai Hessel, construída no ramo de papel e celulose. Dedicou sua vida, além de cuidar do pai até a sua morte, a notáveis obras de apoio e incentivo, especialmente à cultura e à arte.
No mês de julho, finalmente consegui visitar a Fundação Ema Klabin, que funciona na mansão em que ela viveu na Rua Portugal, Jardim Europa, em São Paulo. As visitas são feitas apenas em alguns dias da semana e devem ser agendadas pela internet.
Na visita guiada, podemos ver toda a coleção reunida por Ema ao longo de décadas, nas muitas viagens que fez, inclusive quatro de volta ao mundo.
Os objetos estão onde costumavam ficar quando sua casa era habitada e frequentada por eminentes personalidades artísticas e sociais. Os cômodos são ornamentados por quadros dos mais reconhecidos pintores nacionais e estrangeiros, além de peças de esculturas, tapeçarias e inúmeros livros raros, aos quais ela dava especial atenção. Além da excepcional biblioteca, ela mantinha muitos deles no seu próprio quarto, para manuseio cotidiano.
Falar da casa ou das peças em exibição me obrigaria a fazer um post sem fim, dado o grau de encantamento que eu fiquei com tudo que está lá exposto. De qualquer forma, o catalogador da coleção já se deu a esse trabalho e o resultado pode ser visto num livro com o intringante título de Sinfonia de Objetos.
Depois das horas que passei no casarão da rua Portugal e da imersão que fiz na história da família Klabin, logo a minha satisfação de ter realizado o meu antigo desejo foi substituída pela decorrente vontade de ir ao Rio de Janeiro, conhecer a Fundação Eva Klabin.
Enquanto isso não acontece, fica a recordação da memorável visita e do impacto que todas aquelas obras de arte causaram sobre o meu espírito.
Já há alguns anos, li numa revista de viagem a respeito das fundações Eva e Ema Klabin, com sede, respectivamente, no Rio de Janeiro e São Paulo, que abrigam as notáveis coleções de arte que as irmãs amealharam ao longo da vida. Desde então decidi começar por São Paulo e venho tentando visitar a Fundação Ema Klabin.
Sempre tive admiração pelo mecenato. Desde os Medicis fiorentios até Calouste Gulbenkian, os benfeitores da arte e da cultura me intrigaram.
Lorenzo de Medici |
Calouste Gulbenkian |
No mês de julho, finalmente consegui visitar a Fundação Ema Klabin, que funciona na mansão em que ela viveu na Rua Portugal, Jardim Europa, em São Paulo. As visitas são feitas apenas em alguns dias da semana e devem ser agendadas pela internet.
Na visita guiada, podemos ver toda a coleção reunida por Ema ao longo de décadas, nas muitas viagens que fez, inclusive quatro de volta ao mundo.
Os objetos estão onde costumavam ficar quando sua casa era habitada e frequentada por eminentes personalidades artísticas e sociais. Os cômodos são ornamentados por quadros dos mais reconhecidos pintores nacionais e estrangeiros, além de peças de esculturas, tapeçarias e inúmeros livros raros, aos quais ela dava especial atenção. Além da excepcional biblioteca, ela mantinha muitos deles no seu próprio quarto, para manuseio cotidiano.
Falar da casa ou das peças em exibição me obrigaria a fazer um post sem fim, dado o grau de encantamento que eu fiquei com tudo que está lá exposto. De qualquer forma, o catalogador da coleção já se deu a esse trabalho e o resultado pode ser visto num livro com o intringante título de Sinfonia de Objetos.
Depois das horas que passei no casarão da rua Portugal e da imersão que fiz na história da família Klabin, logo a minha satisfação de ter realizado o meu antigo desejo foi substituída pela decorrente vontade de ir ao Rio de Janeiro, conhecer a Fundação Eva Klabin.
Enquanto isso não acontece, fica a recordação da memorável visita e do impacto que todas aquelas obras de arte causaram sobre o meu espírito.
Assinar:
Postagens (Atom)