Em 2008, quando estava de viagem marcada para Nova York, recebi uma newsletter do Museu Van Gogh, de Amsterdam, informando que tinham elaborado uma exposição temporária, chamada “Van Gogh and the Colors of the Night”, reunindo todas as principais telas nas quais ele pintou paisagens noturnas. Senti que a sorte estava me sorrindo quando li que a tal exposição seria exibida primeiramente no MOMA de Nova York e somente depois iria pra Amsterdam.
Fiquei empolgadíssima, porque Van Gogh é o meu pintor predileto e as suas obras estão espalhadas pelo mundo. Que oportunidade rara poder apreciá-las numa oportunidade só. Especialmente, porque, finalmente iria poder ver a que eu considero a mais bela delas: Starry Night, que faz parte do acervo permanente do MOMA.
Tendo chegado em Nova York, uma das primeiras coisas que fiz foi ir ao MOMA. Chegando lá, descobri que era sexta-feira e que às sextas-feiras o acesso é gratuito. Desconfiei, nesse momento, que a sorte estava flertando comigo.
Depois do meu livre acesso, um breve temor me acometeu ao descobrir que a exposição do Van Gogh só poderia ser visitada com hora marcada. Eu ainda teria uma semana em Nova York, de modo que eu poderia tentar marcar um horário para vê-la em outra oportunidade, mas toda a racionalidade do mundo não foi o suficiente para me dissuadir de negociar com a amiga que estava comigo a permanência lá por mais umas horas e de tentar com todo e qualquer funcionário do museu que cruzava o meu caminho um modo de ter acesso à exposição.
Senti que a sorte definitivamente me desejava quando uma funcionária da limpeza, que havia notado a minha ansiedade, me confidenciou que se eu esperasse, incógnita, junto à porta da exposição, no horário da última visita, o porteiro talvez me deixasse entrar.
Eu nem esperei chegar a hora do ingresso da última visita e me plantei, feito poste, na porta de acesso da exposição. Muitas pessoas abordaram o porteiro e foram escorraçadas de lá. Eu não me aproximava nem me afastava: simplesmente esperava, sem olhá-lo nos olhos, para não dar margem a um "olhar de expulsão".
Quando faltavam cinco minutos para a última visita, um casal se aproximou dele, falou praticamente sibilando e ele fez um gesto para que esperassem ao lado e, como um milagre, virou-se pra mim e disse que se eu quisesse entrar, esperasse com eles. Foi assim que eu percebi que a sorte me amava e entrei para ver a exposição.
A mostra tinha muitas telas e mostra como Van Gogh foi penetrando nas cores da noite simultaneamente ao adensamento dos seus problemas emocionais. Ele dizia que as cores da noite eram o remédio paliativo pra sua dor. Fui contemplando belíssimas telas que eu não conhecia e fiquei de tal modo enebriada que foi com um susto que eu percebi que eu estava diante dela: Starry Night.
Eu não sei o que eu esperava, mas ela é grande, muito maior do que eu supunha. As camadas de tinta se sobrepõem de uma forma tão intensa que era possível imaginar a paixão com que as pinceladas foram ministradas. As cores eram tão vivas, que pareciam frescas e que podiam derreter a qualquer momento. Quando eu percebi, chorava muito. Uma emoção enorme me arrebatou e eu nem tentei conter as lágrimas, porque percebi que aquilo era algo que eu não conseguiria fazer sozinha.
Desde então me intriga o poder que a arte exerce sobre nós. Senti-o, apesar de não saber explicá-lo.
Algum tempo depois deparei-me com um texto de Eduardo Galeano, que exprime a emoção de ser sobrepujado pela beleza:
"A função da arte/1
Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar!"
1) Landscape at Twilight
2) Starry Night over the Rhone
3) Starry Night
4) Pra quem quiser conhecer, vale a pena dar uma olhada na exposição online: http://www.moma.org/exhibitions/2008/vangoghnight/flashsite/index.html
Emocionante está o post! Uma narrativa cinematográfica, em que eu ia imaginando as cenas. Você, parada, na porta da exposição, é uma das minhas preferidas!
ResponderExcluirVan Gogh traz muita emoção com ele. No museu em Amsterdam, eu não conseguia parar de chorar ao chegar ao último andar.
Patrícia, minha amiga querida, fez uma apresentação em aula sobre o trecho de Van Gogh no filme Sonhos, de Akira Kurosawa. No meio da aula, cercada de pessoas, não consegui não me emocionar - e muito.
Durante o seu texto, caminhando pelas suas palavras na esperança de ver a exposição, emocionei novamente, e todo o cansaço do dia se acalmou.
Eu sou da teoria de que você é a pessoa mais sortuda em viagens. E tantas "coincidências" foram!!! Festival de Cannes, Reunião do G8 em Gênova, F1 em Mõnaco, Van Gogh em NY, festa da Bienal de Veneza na janela do seu quarto, final do Tour de France em Paris... Nesta última eu peguei carona!
Por fim, vale lembrar: "Beauty will save the world" rsrsrs.
Carinho e obrigada, Dri.